Rabdomiólise: quando o músculo ultrapassa o limite

Durante décadas, o treino físico foi visto como uma ferramenta de saúde, disciplina e longevidade. E é assim que deve continua a ser.
Nos últimos anos, tem-se verificado um aumento significativo da procura por ginásios e profissionais de desporto, especialmente entre jovens adultos, muitas vezes não apenas com o objetivo de promover a saúde, mas sim de melhorar a estética ou a performance. Este fenómeno é ainda mais amplificado pelas redes sociais, desafios virais e treinos de alta intensidade.
A procura por estes objetivos, pode potenciar a ocorrência de eventos adversos de entre os quais um que, embora raro, é potencialmente muito perigoso, a Rabdomiólise.
Este artigo pretende explicar, de forma clara e cientificamente fundamentada, o que é a rabdomiólise, porque pode acontecer em contexto de exercício físico e, sobretudo, como a prevenir respeitando o corpo hoje para garantir saúde amanhã.
PODE TER INTERESSE EM LER: Overtraining: sabe o que é?
O que é a rabdomiólise?
A rabdomiólise é uma síndrome clínica resultante da destruição das fibras musculares esqueléticas, levando à libertação do seu conteúdo intracelular para a corrente sanguínea, nomeadamente a mioglobina, a creatina quinase (CK) e eletrólitos. Quando libertadas em grandes quantidades, estas substâncias podem causar lesão renal aguda e outras complicações sistémicas, como descrito em revisões clínicas portuguesas clássicas (Rosa et al., 2005; Galvão et al., 2003).
Este mecanismo fisiopatológico encontra-se bem estabelecido na literatura nacional e internacional e continua a ser uma das causas reconhecidas de insuficiência renal aguda associada ao esforço físico.
Porque pode surgir associada ao exercício físico?
O exercício provoca, naturalmente, microlesões musculares, um processo fisiológico necessário à adaptação e evolução do músculo. No entanto, quando o estímulo ultrapassa a capacidade de adaptação do organismo, o dano muscular torna-se excessivo.
De acordo com a revisão portuguesa de Galvão et al. (2003) e com a monografia académica de Pacheco (2020), a rabdomiólise induzida pelo exercício surge com maior frequência quando se combinam:
- Exercício intenso ou não habitual, especialmente após períodos de inatividade
- Elevado volume de trabalho excêntrico (fase de um exercício o músculo alonga-se, mas continua a gerar força para desacelerar o movimento, atuando como travão. Numa flexão de bíceps, por exemplo, levantar o peso é a fase concêntrica (músculo encurta), e baixá-lo lentamente é a fase excêntrica (músculo alonga sob tensão)).
- Treinos repetidos sem recuperação adequada
- Ambientes quentes e desidratação
Estes fatores são hoje particularmente relevantes no contexto dos treinos de alta intensidade, como também demonstrado por revisões sistemáticas recentes de acesso aberto.
Modalidades e contextos de maior risco
Algumas modalidades de fitness têm sido mais frequentemente associadas a casos de rabdomiólise, não pela sua natureza intrínseca, mas pela forma como são aplicadas na prática.
A literatura portuguesa descreve que modalidades com elevada carga motivacional, como aulas coletivas intensas e desafios padronizados, podem aumentar o risco quando não existe adaptação individual da carga (Galvão et al., 2003; Pacheco, 2020).
O risco agrava-se quando o praticante ignora sinais precoces de fadiga muscular intensa ou dor desproporcionada.
PODE TER INTERESSE EM LER: Sente cansaço enquanto treina? 8 causas possíveis.
Dor muscular normal vs. rabdomiólise: saber distinguir
No processo normal de treino e evolução física, é expectável o aparecimento de dor muscular tardia (Delayed Onset Muscle Soreness – DOMS). Esta dor faz parte da adaptação do músculo ao estímulo e, apesar de desconfortável, é benigna e transitória.
A rabdomiólise, pelo contrário, representa uma resposta patológica ao exercício, em que o dano muscular excede largamente a capacidade de recuperação do organismo. Distinguir estas duas situações é fundamental para praticantes, treinadores e profissionais de saúde.
Dor muscular tardia (DOMS)
- Surge 12 a 48 horas após o treino
- Dor localizada, sensação de rigidez ou sensibilidade ao toque
- Melhora progressivamente com o movimento e ao longo de poucos dias
- Não provoca alteração da cor da urina
- Não compromete o estado geral
Este tipo de dor está associado a microlesões musculares controladas, essenciais para a adaptação e evolução do músculo (Galvão et al., 2003; Pacheco, 2020).
Rabdomiólise
- Dor intensa, profunda e persistente, frequentemente desproporcionada ao estímulo realizado
- Fraqueza muscular marcada, com limitação funcional
- Possível edema muscular significativo
- Urina escura (castanha ou cor de chá)
- Pode associar-se a fadiga extrema, náuseas ou mal-estar geral
Ao contrário da DOMS, a rabdomiólise envolve libertação maciça de conteúdo muscular para a circulação, com risco real de complicações sistémicas, incluindo insuficiência renal aguda (Rosa et al., 2005).
Regra prática: dor que piora em vez de melhorar, limita atividades básicas ou se associa a alterações urinárias não deve ser ignorada.
Sintomas: porque nem sempre são fáceis de reconhecer
A apresentação clínica clássica da rabdomiólise inclui:
- Dor muscular intensa e persistente
- Fraqueza muscular marcada
- Urina escura, de tonalidade acastanhada ou semelhante a “chá”
Segundo Rosa et al. (2005) e Pacheco (2020), esta tríade completa ocorre apenas numa minoria dos casos. Sintomas como fadiga extrema, edema muscular localizado ou mal-estar geral podem ser as únicas manifestações iniciais, o que contribui para atrasos no diagnóstico.
Porque é uma condição potencialmente grave?
A mioglobina libertada pelos músculos pode acumular-se nos túbulos renais, originando insuficiência renal aguda, como descrito em detalhe por Galvão et al. (2003). Além disso, podem surgir alterações eletrolíticas potencialmente graves, com impacto cardiovascular e metabólico.
A evidência clínica mostra que o prognóstico é geralmente favorável quando a condição é reconhecida precocemente e tratada de forma adequada.
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico baseia-se essencialmente em:
- Análises sanguíneas com elevação marcada da creatina quinase (CK)
- Avaliação da função renal
- Análise da urina
De acordo com Rosa et al. (2005) e Galvão et al. (2003), o tratamento assenta em princípios simples e eficazes:
- Hidratação intravenosa precoce e adequada
- Repouso muscular absoluto
- Monitorização clínica e laboratorial
A monografia de Pacheco (2020) reforça que a intervenção precoce é determinante para prevenir complicações renais e reduzir o tempo de recuperação.
Prevenção: princípios antigos, mais atuais do que nunca
A prevenção da rabdomiólise passa pelo respeito por princípios clássicos do treino, amplamente sustentados pela evidência científica portuguesa:
- Progressão gradual da carga, especialmente após pausas prolongadas (Pacheco, 2020)
- Individualização do treino
- Valorização da recuperação e do descanso
- Hidratação adequada, sobretudo em ambientes quentes
- Atenção a dores musculares desproporcionais ou persistentes
Treinar bem não é treinar até à exaustão, mas sim treinar com método, consistência e respeito pela fisiologia.
Mensagem final
O corpo humano não mudou, mudou foi o contexto em que treinamos. A rabdomiólise recorda-nos que saúde, performance e longevidade só coexistem quando o treino respeita os limites biológicos de cada um.
Na AXIS WELLNESS, acreditamos que o futuro do fitness passa por conhecimento, segurança e responsabilidade, sem abdicar da excelência.
O exercício, na medida certa, é um grande aliado para a saúde e o bem-estar. Como tudo na vida, evitar uma condição tão grave como a Rabdomiólise está ao alcance de todos, e é sobretudo uma questão de procurar informação credível, equilíbrio e procurar o aconselhamento de quem sabe.
Para mais informações sobre este assunto, saiba que no AXIS WELLNESS disponibilizamos consultas de medicina desportiva, geral e familiar com o Dr. Benjamim Carvalho incluídas em todas as modalidades de adesão. Estas consultas permitem enquadrar o exercício físico de forma segura, equilibrada e personalizada.
Se procura fazer exercício físico de forma segura, e com o acompanhamento de profissionais devidamente qualificados, clique aqui ou contacte-nos através do nº 258 847 555 (Viana do Castelo)
Referências científicas
- Rosa NG, Silva C, Almeida J, et al. Rabdomiólise: revisão e abordagem clínica. Acta Médica Portuguesa. 2005;18:271–282. https://actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/download/1032/700
- Galvão J, Gusmão L, Possante M. Insuficiência renal e rabdomiólise induzidas por exercício físico. Revista Portuguesa de Nefrologia & Hipertensão. 2003;17(4):189–197. https://cdn02.spnefro.pt/pjnh/4/artigo_03.pdf
- Pacheco PMG. Rabdomiólise induzida pelo exercício. Monografia de Mestrado, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; 2020. https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/127744
- Martínez-Guardado I, et al. Beyond the intensity: A systematic review of rhabdomyolysis following high-intensity functional training. Apunts Sports Medicine. 2024. https://apunts.org/en-download-pdf-S2666506924000154
- Ruilope LM, et al. Rhabdomyolysis caused by exercise. Revista Colombiana de Nefrología. https://revistanefrologia.org/index.php/rcn/article/view/520
- Silva LRS, et al. Exercício físico e rabdomiólise. Omnia Saúde. https://omnia.fai.com.br/omniasaude/article/view/759
Créditos da foto: Freepik